04/03/2015

Dos arquivos da perseguição às histórias dos mártires: hagiografia, memória e propaganda na África romana


Julio Cesar MAGALHÃES DE OLIVEIRA
 Professor Doutor – Departamento de História – UEL – Univ. Estadual de Londrina – Rodovia Celso Garcia Cid, PR 445, CEP: 86051-980, Londrina, Paraná, Brasil. E-mail: jcmo@uel.br



Resumo: A passagem dos atos e das paixões dos mártires, escritos no calor das perseguições, às narrativas martirológicas mais legendárias e épicas, que se difundem a partir do final do século IV e do início do século V, foi muitas vezes vista, pelos historiadores, como uma das mais marcantes transformações da hagiografia na Antiguidade Tardia. Contudo, o uso dos registros dos processos judiciais para a redação tanto das tradicionais atas dos mártires como para essas novas narrativas mais extensas e épicas continuou sendo altamente valorizado pelos cristãos do Norte da África, tanto católicos como donatistas, ao menos até o começo do século V. O objetivo deste artigo é investigar as razões desse apreço pelos documentos de arquivo, sobretudo oficiais, e os diferentes usos práticos que deles fizeram os cristãos africanos, do século III ao início do século V.


Palavras-chave: Hagiografia; Donatismo; Processos judiciais; Arquivos públicos; África Romana.



Abstract: The series of events stemming from the acts and passions of the Christian martyrs, written in the heat of persecution up to the more legendary and epic stories spreading from the late 4th and early 5th centuries has often been viewed by historians as one of the more striking transitions of hagiography in Late Antiquity. Nevertheless, the use of the judicial processes in the writing of the traditional martyrs’ acts as well as in the composition of the more extensive and epic narratives remained highly valued in the minds of North African Christians, Donatists and Catholics alike, at least until the beginning of the 5th century. The purpose of this paper is to understand the reasons for the high regard in which the documents in the archives were held, especially the official ones, and to research the different, practical uses made from them by North-African Christians, from the 3rd to the beginning of the 5th century. Keywords: Hagiography; Donatism; Judicial processes; Public archives,; Roman North Africa.


Dos caminhos percorridos pela hagiografia cristã na Antiguidade, aquele que certamente mais chamou a atenção dos historiadores foi a passagem das primeiras histórias dos mártires, escritas no calor da perseguição, às narrativas martirológicas épicas ou legendárias, que se difundiram a partir do final do século IV e do início do século V. As razões dessa mudança de estilo, bem como do êxito que alcançaram esses novos gêneros literários na Antiguidade Tardia, já foram objeto de interpretações divergentes, sendo atribuídas tanto ao caráter supostamente “popularesco” dessa literatura (como lamentava Hippolyte Delehaye [1921] no início do século XX), como às preocupações e necessidades das lideranças eclesiásticas que começavam a controlar e organizar o culto dos santos (como propôs mais recentemente Peter Brown [1981]). No entanto, como Boudewijn Dehandschutter (1995) e outros têm insistido, é preciso lembrar que os textos antigos como os novos atendiam a necessidades muito semelhantes. Nesse sentido, como Marc Van. Leia Mais 

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