15/04/2014

Educação Romano: O Ensino em Roma

A Tradição Latina
http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/hfe/momentos/escola/ensinoroma/

O florescimento da Civilização Romana não está isento do contágio pelo Helenísmo.  De acordo com as palavras de  Horácio: “A Grécia conquistada conquistou por sua vez seu selvagem vencedor e trouxe a civilização ao rude Lácio”. Porém, o fosso abissal que separava o "rude Lácio" do elevado nível cultural atingido pelos Gregos foi rapidamente ultrapassado, como consequência da enorme facilidade dos latinos para  adaptarem e assimilarem os costumes das outras civilizações, em particular da Civilização Helénica e Helenística.

Constata-se no entanto ter existido alguma resistência à invasão pelo Helenismo. Os pequenos camponeses do Lácio, por exemplo, protegem-se contra as inovações estrangeiras pelo respeito de uma tradição ancestral – o mos maiorum. De acordo com esta tradição, o fim da educação é prático e social. Espera-se que a educação proporcione à criança o saber necessário para o exercício da sua profissão de soldado ou de proprietário rural, que inculque a ética que subordina o indivíduo a um ideal superior – Roma e a Res Publica. O objectivo é formar o cidadão – o civis romanus.

No século II a.c., o pater familias concede à mãe, a matrona romana, os direitos sobre a educação de seus filhos durante a primeira infância, gozando aquela de uma autoridade desconhecida na Civilização Grega. Mas, por volta dos 7 anos de idade, a educação da criança passa a estar a cargo de seu pai ou, na ausência deste, de um tio. Caberá ao pai a responsabilidade de proporcionar ao filho a educação moral e cívica. Esta passa pela aprendizagem mnemónica de prescrições jurídicas concisas e de conceitos, constantes nas Leis das XII Tábuas, símbolo da tradição Romana.

Esta forma de educação tem por base a preocupação natural de associar os valores culturais e o ideal colectivo. Exalta a piedade, no sentido romano do termo pietas que traduz respeito pelos antepassados. Nas tradicionais famílias patrícias, os antepassados representam orgulhosamente os modelos do comportamento, repetidos geração após geração.

O Ensino em Roma

No entanto, o ensino em Roma apresenta algumas diferenças significativas face ao modelo educativo dos gregos e algumas novidades importantes na institucionalização de um sistema de ensino.

O ensino da música, do canto e da dança, peças chave da educação grega, tornaram-se objecto de contestação por parte de alguns sectores mais tradicionais, que apelidaram estas formas de arte como impúdicas e malsãs, toleráveis apenas para fins recreativos.

A mesma reacção de oposição surge contra o atletismo, tão essencial à Paideia. Jamais fazendo parte dos costumes latinos, as competições atléticas só penetram em Roma por volta do século II a.c., sob a forma de espectáculos, e sendo a sua prática reservada a profissionais. Os romanos chocam-se com a nudez do atleta e condenam a pederastia, de que o ginásio é o meio natural. Optam assim pelas termas em detrimento do ginásio, que consideram exclusivamente um “jardim de recreio” ou um “parque de cultura”.    

O Programa educativo romano privilegia assim uma aprendizagem sobretudo literária, em detrimento da Ciência, da Educação Musical e do Atletismo.

Porém, é aos romanos que se deve o primeiro sistema de ensino de que há conhecimento: um organismo centralizado que coordena uma série de instituições escolares espalhadas por todas as províncias do Império. O carácter oficial das escolas e a sua estrita dependência relativamente ao estado constituem, não apenas uma diferença acentuada relativamente ao modelo de ensino na Grécia, como também uma novidade importante.

É claro que um tal sistema tende a privilegiar uma minoria que, graças aos estudos superiores, ascende àquilo que os romanos consideram ser a vida adulta simultaneamente activa e digna ou seja, uma elite, com uma elevada formação literária e retórica.

O que não impede que, entre a imensidão de escravos que os romanos abastados do Império possuíam como resultando das suas conquistas, houvesse a preocupação de lhes fornecer, em particular aos mais jovens, os ensinamentos necessários à prática dos seus serviços. Para tal eram reunidos, nas casas de seus amos,  em escolas – as paedagogium - ae entregues a um ou mais pedagogos que lhes inculcavam as boas maneiras e, em alguns casos, os iniciavam nas “coisas do espírito”, designadamente na leitura, na escrita e na aritmética. É sabido que as casas dos grandes senhores de Roma dispunham de um ou mais escravos letrados que desempenhavam funções como secretários ou como leitores.

De qualquer forma, na Roma imperial, os Mestres Gregos são protegidos por Augusto, à semelhança do que César havia já feito. Também a criação de bibliotecas, como a do Templo de Apolo, no Palatino, e a do Pórtico de Octávio, é ilustrativa de uma política imperial de cultura.

Esta política, inspirada nas tradições gregas, vai no entanto inflectir algumas práticas anteriores, delineando no estado romano um conjunto de políticas escolares inovadoras. Uma primeira iniciativa é da autoria de Vespasiano, que intervém directamente a favor dos professores, ao reconhecer-lhes uma utilidade social. Com ele se iniciam uma extensa série de retribuições e de imunidades fiscais, atribuídas a gramáticos e retóricos. Segue-se a criação de cátedras de Retórica nas grandes cidades, bem como o favorecimento e promoção da instituição de escolas municipais de gramática e de retórica nas províncias.


O nascimento das Escolas Latinas

As primeiras escolas latinas são inteiramente, na sua origem, de inspiração grega. Limitam-se a imitá-las, tanto no que concerne ao programa, como aos métodos de ensino.

Porém, os romanos vão pouco a pouco organizá-las em três graus distintos e sucessivos: a instrução primária, o ensino secundário e o ensino superior, aos quais correspondem três tipos de escolas, confiadas a três tipos de Mestres especializados. As escolas primárias datam provavelmente dos séculos VII e VI a.c., as secundárias surgem no século III a.c. e das superiores somente há conhecimento da sua existência a partir do século I a.c.. A data em que surgiram as primeiras escolas primárias permanece controversa. Pensa-se que o ensino elementar das letras terá surgido em Roma muito antes do século IV a.c., provavelmente remontando ao período etrusco da Roma dos Reis. Data do ano 600 a.c. a tabuleta de marfim de Marsigliana d’Albegna que possui gravada na faixa superior do seu quadro um alfabeto arcaico muito completo, destinado a servir de modelo de escrita incipiente que se exercitava escrevendo na cera da tabuleta.

Quando o adolescente, por volta dos dezasseis anos de idade, finalmente se liberta da toga praetexta da infância para vestir a toga viril, tem início a aprendizagem da vida pública, o tirocinium fori.  O jovem acompanhará o pai ou, se necessário, um outro homem influente, amigo da família e melhor posicionado para o iniciar na sociedade. Durante cerca de um ano, e anteriormente ao cumprimento do serviço militar, o jovem adquire conhecimentos de Direito, de prática pública e da “arte do dizer”, concepção romana da eloquência.

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Roma adopta a Educação Grega

Sabemos que Roma foi incapaz de permanecer imune ao contágio pelo Helenismo. Na constituição do Império Romano, da baía ocidental do Mediterrâneo até ao mar oriental, ficarão integradas diversas cidades Gregas. Mas, muito antes do Império, já os etruscos, haviam sido influenciados pelos Gregos a quem foram buscar o alfabeto, bem como técnicas com vista à aprendizagem da leitura e da escrita.

A influência Helénica não mais cessará de crescer, em particular com a invasão e posterior anexação da Grécia e da Macedónia  no século II a.c..

A partir de então, alguns preceptores gregos (se não de nascimento, pelo menos de formação) apoiam a educação familiar dos jovens romanos. Na verdade, afugentados pelas agitações do Oriente ou atraídos pela rica clientela romana, muitos gramáticos, retóricos e filósofos atenienses dirigem-se a Roma. Serão estes os Mestres responsáveis pelo ensino de jovens e de adultos.

Cedo os Políticos de Roma haviam compreendido que o conhecimento da Retórica ateniense seria um factor decisivo com vista a melhorar a eloquência dos seus discursos junto das multidões. Com a Retórica e a formação literária que lhe servia de base, Roma descortinou a pouco e pouco todos os aspectos encobertos da cultura Grega. Mas o helenismo não é apenas apanágio de alguns. Ele impregna toda a Roma, surgindo também na vida religiosa e nas artes, como seja nos teatros que adoptam os modelos, temas e padrões helenísticos.

Não obstante se reconhecer que os tentáculos da Civilização Helenística se estenderam a todos os domínios, em nenhum é esta influência tão notória como na cultura do espírito, e, por conseguinte, na Educação. A original contribuição da sensibilidade, do carácter, e das tradições de Roma, aparecerá somente sob a forma de retoques de detalhe e pequenas inflexões, favorecendo ou reprimindo alguns aspectos do modelo  educativo da  Paideia grega.

Nesse entido, a aristocracia romana  recorre, numa primeira fase, a escravos alforriados que a conquista lhes havia proporcionado e, posteriormente, a Mestres de Grego especializados.

Paralelamente a esta preceptoria particular no seio das grandes famílias surge o ensino público do grego, ministrado em verdadeiras escolas, umas vezes por escravos gregos que assumem o papel de Mestres, outras,  por Mestres Gregos qualificados. Não satisfeitos com este tipo de educação, muitos jovens romanos deslocar-se-ão à Grécia para aí completarem os seus estudos.

Um indício marcante sublinha o êxito da influência grega na Educação e em particular no desenvolvimento da escola. Roma vai buscar ao Helenismo o termo Paedagougos para designar o escravo incumbido de acompanhar a criança à escola.

Instrução Primária

Se é certo que a iniciação da criança nos estudos fica a cargo de um preceptor particular (em especial nas famílias aristocráticas), por volta dos sete anos a criança é confiada a um Mestre Primário – o litterator, “aquele que ensina as letras”, também designado por primus magister, magister ludi, magister ludi literarii, ou, como viria a ser designado no século IV a.c., o institutor. O primus magister é, em Roma, mal remunerado e pouco conceituado na hierarquia social.

Tal como na Grécia, também as crianças romanas se faziam acompanhar à escola por um escravo, designado segundo a terminologia grega por Paedagogus. Este poderia, em determinadas circunstâncias, ascender ao papel de explicador ou até mesmo de mentor, arcando assim com a educação moral da criança. O Paedagogus conduzia o seu pequeno senhor à escola, designada por ludus litterarius, e aí permanecia até ao final da lição. O ensino é colectivo, as meninas também frequentavam a escola primária, embora para elas o preceptorado privado pareça ter sido a nota dominante.

Cabe ao Mestre providenciar as instalações. Este resguarda os seus alunos debaixo de um pequeno alpendre protegido por um toldo – pérgula -  nas proximidades de um pórtico ou na varanda de alguma mansão aberta e acessível a todos. Há conhecimento de ter existido em Roma  uma escola abrigada na esquina do Fórum de César. As aulas são portanto essencialmente ministradas ao ar livre, em local isolado dos barulhos e das curiosidades da rua por meio de um tabique – o velum.

As crianças agrupam-se em torno do Mestre que pontifica da sua cadeira – a cathedra - colocada sobre um estrado. O mestre é muitas vezes assistido por um ajudante, o hypodidascales. Sentadas em escabelos sem encosto, as crianças escrevem sobre os joelhos.

A jornada escolar da criança romana tinha início muito cedo e durava até ao pôr-do-sol. As aulas apenas eram suspensas durante as festas religiosas, nas férias de Verão (dos finais de Julho a meados de Outubro) e também durante as nundinae que semanalmente se repetiam no mercado.

Além da leitura, o programa compreende a escrita em duas línguas (latim e grego) e um pouco de cálculo no qual se inclui a aprendizagem do ábaco e do complexo sistema romano de pesos e medidas. Para a aprendizagem do cálculo recorria-se vulgarmente à utilização de pequenas pedras - calculi - bem como à mímica simbólica dos dedos.

A técnica aprofundada do cálculo escapa no entanto à competência do primus magister, sendo ensinada mais tarde por um especialista, o calculator. Este distingue-se do primus magister na medida em que o seu papel está mais próximo do de um especialista, como os calígrafos ou os estenógrafos.

Na aprendizagem da escrita começava-se por se aprender o alfabeto e o nome das letras, de A a X, antes mesmo de lhes conhecer a forma. O nome das letras era seguidamente ensinado ao contrário, de X a A e posteriormente aos pares, primeiro agrupados segundo uma dada ordem e logo após agrupados de forma aleatória. Seguia-se a aprendizagem das sílabas, em todas as combinações possíveis e, por fim, dos nomes isolados. Estes três tipos de aprendizagem constituem as categorias sucessivas do abecedarii, syllabarii e nomirarri. Antes de passar à redacção de textos era ensaiada a escrita de pequenas frases bem como máximas morais de um ou dois versos.

O ensino da escrita é simultâneo ao da leitura. A criança escreve em sua tabuleta as letras, palavras ou textos cuja leitura deverá posteriormente efectuar. Empregam-se a princípio dois métodos alternados: um que remonta às origens da escola grega e que consiste em guiar a mão da criança para lhe ensinar o ductus, e outro mais moderno, talvez originário da escola latina, em que se utilizam letras gravadas em concavidades na tabuleta que a criança retraça usando o estilete de ferro e seguindo o sulco através da cera. Esta é alisada com o polegar logo que tenha terminado a tarefa, para que assim possa reproduzir as letras na tabuleta.

Os livros são feitos com folhas coladas lateralmente e enroladas à volta de uma varinha. Para ler, a varinha é mantida na mão direita e com a outra mão desenrola-se a folha única.

Associada à leitura e à escrita encontra-se a declamação. A criança é incentivada a memorizar pequenos textos à semelhança do que ocorria na Grécia.  

Recorre-se frequentemente à emulação e mais ainda à coerção, às reprimendas e aos castigos. O primus magister apoia a sua autoridade na férula, instrumento a que recorre para infringir os castigos nas crianças. “Estender a mão à palmatória”, manum ferulae subducere, é na verdade para os Romanos sinónimo de estudar.

Os alunos são agrupados em classes, de acordo com o seu rendimento escolar. O autor (desconhecido) dos Hermeneumata Pseudodositheana salienta a necessidade de “...levar em conta, para um e para todos, as forças, o adiantamento, as circunstâncias, a idade, os temperamentos vários e o desigual zelo dos diversos alunos.” Esboça-se uma modalidade de “ensino mútuo”, em que os melhores alunos colaboram com o primus magister ensinando aos colegas as letras e as sílabas. O titulos (designação latina para quadro preto) é também uma invenção romana. Consiste num rectângulo de cartão preto em torno do qual os alunos se agrupam de pé, ordeiramente..

 Estes métodos  começam a ser questionados por volta do século I da nossa era, tendo-se registado desde então uma evolução no sentido de um abrandamento da disciplina em favor de uma indulgência crescente para com as crianças.A rotina pedagógica foi a aligeirada com a introdução de novas práticas de ensino que  ficam a dever-se a Marco Fábio Quintiliano, reconhecido Professor de Eloquência que viveu no século I da nossa era.


                                                                                   

Quintiliano foi o primeiro professor pago pelo estado, no Império de Vespasiano, e teve como alunos Plínio o Môço e o próprio Imperador Adriano. Quintiliano alerta para a necessidade de se identificarem os talentos das crianças e chama a atenção para a necessidade de reconhecer as diferenças individuais e de adoptar diferentes formas de procedimento  perante elas. Recomendava que se ensinassem simultaneamente os nomes das letras e as suas formas, devendo a eventual imperícia do aluno ser corrigida obrigando-o a reproduzir as letras com o seu estilete na placa dos modelos, previamente gravada pelo professor. É contrário aos castigos físicos, e portanto ao uso da férula. Recomenda a emulação como incentivo para o estudo e sugere que o tempo escolar  seja periodicamente interrompido por recreios, já que o descanso é, na sua opinião, favorável à aprendizagem.



Ensino Secundário

O ensino secundário é  bastante menos difundido que a instrução primária. A maioria das crianças de fraca condição social abandonam a escola no final da Instrução Primária, passando então a frequentar a casa de um Mestre de ensino técnico, por exemplo de Geometria, que os preparará para o exercício de profissões como a carpintaria.

As restantes crianças iniciam por volta dos doze anos de idade um segundo ciclo de estudos, continuando rapazes e raparigas a estudar lado a lado. No caso geral de estudos com a duração de três anos, verifica-se a intervenção do grammaticus, correspondente latino do grammatikus grego, que ensina Gramática e Retórica.

Cecílio Epirota empreende, em finais do século I a.c., o estudo de poetas latinos seus contemporâneos, assim se estabelecendo uma formação nas duas línguas que implicará portanto a participação de dois grammaticus: o grammaticus graecus e o grammaticus latinus. Existiam portanto duas Instituições paralelas: uma para o estudo da língua e da literatura grega, a outra para o estudo da língua e literatura romana. A primeira é uma réplica exacta das escolas gregas, a segunda representava o esforço para salvaguardar as tradições romanas.
À semelhança do que se observava na Grécia, o grammaticus é bastante mais conceituado socialmente que o primus magister. Também ele  instala geralmente os alunos numa pérgula ou numa residência existindo em Roma, no século IV da nossa era, cerca de vinte estabelecimentos deste tipo. Requer cerca de seis horas diárias para o ensino da correcção da linguagem, assim como para a explicação dos poetas. Adopta os princípios da metodologia grega, insistindo na ortografia e na pronúncia, multiplicando os exercícios de morfologia e preparando com a escrita de redacções a iniciação à Retórica. O essencial consiste porém no estudo dos clássicos, e sobretudo dos poetas Virgílio, Terêncio e Horácio.

Os alunos aprendem também algumas noções básicas de Geografia, necessárias para a compreensão da Ilíada e da Eneida. Estudam também Astronomia, “...desde que se levanta ou põe uma estrela até à cadência de um verso.”



Ensino Superior

O ensino superior, também designado por ensino retórico, tinha início por volta dos quinze anos de idade, altura em que o jovem recebe a toga viril, sinónimo da sua entrada na vida adulta. Estes estudos superiores duravam até cerca dos vinte anos, podendo no entanto prolongar-se por mais tempo. Tinham como finalidade formar Oradores, já que a carreira política representava o ideal supremo.

Roma transformou-se num centro excepcional de estudos para os Mestres de Retórica Gregos. É o caso de Dionísio de Halicarnaso, que viveu em Roma mais de vinte anos (de 30 a 8 a.c.), ali compondo uma monumental História Romana.

No século II surgem os representantes da segunda sofística, os quais cultivam um discurso preciosamente elaborado, bem como a improvisação, perante uma vasta audiência de romanos.

As retóricas latina e grega assemelham-se ainda mais quando o triunfo dos Césares desvia a eloquência latina da vida política e a confina à arte do conferencista ou do advogado. Os retóricos do Ocidente “latinizam” os assuntos que propõem a seus discípulos, ao mesmo tempo que os obrigam a estudar os clássicos romanos, sobretudo Cícero.

Séneca foi juntamente com Quintiliano, um dos grandes representantes da nova etapa educativa. Esta deixa de ser assunto particular e adquire um carácter mais técnico que filosófico, passando a aplicar-se de preferência a problemas práticos. Nas suasoriae, o aluno é obrigado a pronunciar-se sobre casos morais; nas controversiae, o futuro orador terá de pleitear um caso em função de textos legais.


Para lá do aperfeiçoamento da eloquência e da retórica, o ensino da Filosofia e da Medicina é essencialmente feito por Mestres Gregos itenerantes, que espalham o seu saber de cidade em cidade.

Com muita frequência, os estudantes latinos vão completar os seus estudos superiores noutras cidades, nomeadamente em Alexandria e sobretudo em Atenas. Sob o império de Vespasiano é estabelecido em Roma um Ateneum semelhante ao Mouseîon de Alexandria, para estudos aprofundados de Retórica. Criam-se cátedras de Retórica que concederam privilégios aos Mestres, dando assim aos romanos a possibilidade de prosseguirem os estudos na própria pátria.

No âmbito do Direito, Roma desempenha um papel inovador oferecendo aos jovens estudantes uma aprendizagem prática pasra além de  um ensino sistemático. A complexidade crescente da produção jurídica romana está  na origem da fundação de duas escolas superiores de direito em Roma no século II – a de Labeu e a de Cássio.

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As Escolas Cristãs

Paralelamente às escolas pagãs, a partir dos séculos II e III da nossa era, surgem escolas cristãs, criadas inicialmente com o intuito de formar os futuros  homens da Igreja dos conhecimentos necessários à compreensão da mundividência Biblica.

É o caso da escola cristã fundada em Alexandria, escola de ensino superior para a inteligência da fé e das escrituras, onde, entre outras,  se estudavam a filosofia, a geometria, a aritmética com a finalidade de melhorar  o conhecimento das Escrituras Sagradas.

Com  legitimação político-religiosa do cristianiosmo sob o Império de Constantino, os cristãos começam a deprecir a retórica e a cultura pagã e a acusar as escolas que dizem transmitir uma literatura contrária ao espírito cristão, orientadas para valores diferentes dos do evangelho.

Quando cai o Império Romano, só a estrutura religiosa se  mantém de pé e, apenas no seu seio, o frágil brilho da ideia de escola vai apesar de tudo encontra alguma continuidade. Desaparecidas as escolas públicas pagãs, caberá agora aos monges, hábeis defensores de todo um património cultural, a tarefa de ensinar e conservar acesa na noite barbárica a chama da cultura clássica.

Marco Fábio Quintiliano (40-118)

Nasceu em Calahorra, Espanha, no século I, mas muito cedo se dirigiu para Roma, onde foi discípulo de Palêmon, gramático de Roma que gozou de grande reputação no século I e de Domício Áfer, um orador latino.

Era conhecido como advogado e professor de eloquência, tendo-se tornado o primeiro professor pago pelo estado, no Império de Vespasiano. Ensinou Eloquência durante duas décadas e teve alunos famosos como Plínio o Môço e o próprio Imperador Adriano. Após deixar o ensino, Quintiliano redige o De Institutione Oratoria, verdadeiro tratado de educação intelectual e moral.

De Institutione Oratoria é composto por doze volumes, numerados de I a XII, e propõe-se a formar o orador, através da exposição pormenorizada dos objectivos da educação, dos programas e das metodologias a adoptar. O volume I é consagrado à educação da criança na família e na casa do gramático, onde permanece até cerca dos dezasseis anos de idade, altura em que é guiada até aos cuidados do professor de retórica. O volume II versa justamente sobre os ensinamentos deste último. Os volumes III a VII são dedicados aos géneros demonstrativo, deliberativo, judiciário, narração e argumentação, entre outros. Os volumes VIII a X versam sobre a eloquência, sendo expostos diferentes arranjos de palavras bem como diversos ritmos oratórios. O volume XI trata da importância da memória e da acção e finalmente o volume XII refere quais as condições necessárias a um futuro orador.

Os pressupostos teóricos em que a obra se fundamenta seguem a tradição retórica grega de Isócrates, tal como foi transmitida por Cícero. O objectivo era a formação do homem bom, hábil no uso da palavra. O aluno apto para tal formação deveria possuir a excelência moral inata, sem defeitos de carácter, o qual poderia ser moldado através da disciplina de uma educação completa e profunda.

 "Penso que não se deve negligenciar o que é bom se for inato, mas aumentar e acrescer o que lhe falta." (Vol.II  cap.8)

Quintiliano opõe-se à preceptoria particular e considera que a criança deverá começar a frequentar a escola o mais cedo possível.

De acordo com Quintiliano, o Mestre deverá ser um homem de carácter e de ciência, na medida em que as suas atitudes e conduta influenciarão de forma determinante o desenvolvimento do aluno.

Quintiliano alerta para a necessidade de se identificarem os talentos nas crianças e coloca a problemática das diferenças individuais (no que se refere às capacidades e ao carácter) e das formas de procedimento a adoptar perante elas.

"Trazido o menino para o perito na arte de ensinar, este logo perceberá a sua inteligência e o seu carácter." (Vol.I  cap.3)
O Mestre deverá como tal mostrar-se atento à natureza individual de cada aluno, respeitando-a e dela fazendo depender o tipo e grau de complexidade das tarefas que lhe são apresentadas.

"A variedade de espíritos não é menor que a dos corpos." (Vol.II  cap.8)
"Logo que tiver feito essas considerações, o Mestre deverá perceber de que modo deverá ser tratado o espírito do aluno." (Vol.I  cap.3)
Sugere que os alunos sejam distribuídos por classis (classes) logo a partir da escola primária, animadas por concursos, dado o pendor das crianças para o jogo.

"O gosto pelo jogo entre as crianças, não me chocaria, é este um sinal de vivacidade e nem poderia esperar que uma criança triste e sempre abatida mostre espírito activo para o estudo. Há pois para aguçar a inteligência das crianças, alguns jogos que não são inúteis, desde que se rivalizem a propor, alternadamente, pequenos problemas de toda a espécie." (Vol.I  cap.3)
Refere ainda a importância do aproveitamento da memória do aluno como peça chave do processo educativo.

"Nas crianças, a memória é o principal índice de inteligência, que se revela por duas qualidades: aprender facilmente e guardar com fidelidade." (Vol.I  cap.3)
 A educação deverá assim contribuir para o desenvolvimento das disposições naturais de cada aluno, sendo a natureza, para Quintiliano, sinónimo de “homem não educado”.

"....dirigir a instrução de maneira a ajudar, através dela, o desenvolvimento das disposições naturais e a favorecer, principalmente, a tendência inata dos espíritos." (Vol.II  cap.8)
No que concerne à disciplina, Quintiliano mostra-se contrário ao uso abusivo da férula, por considerar que a coerção física é não só degradante como também ineficaz.

"...gostaria pouco que as crianças fossem castigadas......Primeiramente porque é baixo e servil e certamente uma injúria........Além do mais porque se alguém tem um sentimento tão liberal que não se corrija com uma repressão, também resistirá ás pancadas como o mais vil dos escravos." (Vol.I  cap.3)
Recomenda a emulação e sobretudo o bom exemplo como incentivos para o estudo e sugere que o tempo que lhe é reservado seja periodicamente interrompido por recreios, já que o descanso é, na sua opinião, favorável à aprendizagem.

"A todos, entretanto, deve-se dar primeiro um descanso, porque não há ninguém que possa suportar um trabalho contínuo. É por isso que aqueles cujas forças são renovadas e estão bem dispostos têm mais vigor e um espírito mais ardente para aprender..." (Vol.I  cap.3)
Outra inovação proposta por Quintiliano é a instrução simultânea de diversos conteúdos. Assim a escola de gramática deveria familiarizar o aluno com toda a literatura, e a escola de retórica, de modo idêntico, deveria conferir-lhe conhecimentos de música, de aritmética, de geometria e de filosofia.

Quintiliano enumera as qualidades de um bom orador da seguinte forma: conhecimento das coisas (adquirido por meio do domínio da literatura), bom vocabulário e habilidade para efectuar uma escolha criteriosa das palavras, conhecimento das emoções humanas e o poder de as despertar, elegância nos modos, conhecimento da história e das leis, boa dicção, e boa memória. Não obstante, Quintiliano sustenta que um bom orador, terá que ser necessariamente um bom homem.

"...não é suficiente falar apenas com concisão, subtileza ou veemência... na verdade a eloquência é com a cítara: não será perfeita a não ser que todas as cordas estejam bem afinadas, desde a mais alta até à mais alta." (Vol.II  cap.8)


Marco Túlio Cícero (106-43)

Cícero foi o melhor representante do ensino humanista, uma espécie de educação de carácter universal, humanística, supernacional. O  seu ideal educativo teria um sentido cosmopolita, universal.

De família de ordem equestre, nasceu em Arpino e viveu no período republicano. Estudou em Atenas e Rodes e teve uma carreira política brilhante em que foi questor, edil e cônsul. Neste último cargo, destacou-se por se opor a Catilina que queria derrubar o governo e saquear Roma, e por aconselhar o senado a votar pela morte do conjurado foi apelidado de “Pai da Pátria”. A sua honestidade era reconhecida nesta época em que as províncias eram pilhadas e saqueadas. Foi decapitado em Fórmias.

Como escritor, Cícero é a suprema expressão do génio latino influenciado pelo génio grego. Os seus tratados filosóficos, ao mesmo tempo que monumentos históricos, são modelos de eloquência. Como escritor produziu muito e entre as suas numerosas obras contam-se, entre outras,  Pro Quinctio, Pro Sexto Roscio Amerino, Pro Tullio, Verrinas, In Catilinam, In M. Antonium orationum Philippicarum,  De Inventione, De Oratore, Partitiones oratoriae, Brutus, Orator,  De republica, De Legibus, Paradoxa Stoicorum, Academia, De finibus bonorum et malorum, Tusculanae Disputationes, De natura deorum, De senectude, De amicitia, De officiis.

Nesta última obra, escrita em 44 e endereçada a seu filho Marcus, Cícero traça um programa de estudos e um ideal de vida que gostaria de o ver realizar. O tratado está dividido em três partes. A primeira trata do homem, a segunda do útil e a terceira examina as relações e conflitos entre o honesto e o útil. Cícero exorta o filho a estudar Grego, Latim, Filosofia e Oratória e assinala a sua supremacia no campo da Oratória mostrando que cultivou, como nenhum grego, ao mesmo tempo, a Oratória e a Filosofia. Num capítulo seguinte, propõe os deveres como tema a ser analisado, e enfatiza a sua honestidade, princípio que procurou sempre alcançar nas suas acções. Posteriormente, investiga se todos os deveres são perfeitos, se a honestidade é um facto e se a utilidade não se opõe à honestidade. Finalmente, mostra o homem como ser racional dotado de instinto gregário e sedento de verdade.


Lúcio Annaaeus Séneca (4-65)

Séneca era natural de Córdoba, Espanha e viveu a maior parte da sua vida em Roma. É representante da cultura dos primeiros anos do império. Foi exilado na Córsega por Cláudio e chamado a Roma em 49 por Agripina, tornando-se então preceptor de Nero, que mais tarde, não podendo resistir às censuras do filósofo, ordenou a sua morte.

Forma com Epíteto e Marco Aurélio um trinómio de filósofos estóicos que viam na serenidade íntima o fim último do homem.

De Séneca restaram muitos escritos: Dialogorum libri, De providentia, De vita beata, De tranquillitate animi, De breviate vitae, Ad Helvian matrem de consolatione; De beneficiis; Ad Lucilium; Algumas tragédias imitadas de modelos gregos: Hécuba, Medeia, Fedra, Édipo, Agamémnon e outras.

Ad Lucilius (Cartas a Lucilius), obra composta por 124 cartas em 20 livros, é um conjunto de dissertações estóicas sobre a consolação, a cólera, a clemência, a brevidade da vida, a tranquilidade da alma, a felicidade. As cartas contêm preciosas observações morais e ensinamentos delicados que não envelhecerão jamais. Séneca formulou máximas que atravessam os séculos:

      “Mostra-te surdo às palavras daqueles que te amam muito”.

      “O trabalho é o alimento das almas generosas”.

      “Uma árvore isolada não provoca admiração num lugar em que a floresta é muito alta”.

      “O mal não está nas coisas, está nas almas”.

      “Faz descer a filosofia no fundo do teu coração; alicerça a experiência de teu progresso não sobre a coisa dita ou escrita, mas sobre a firmeza da alma e a redução dos desejos”.

Estas cartas foram lidas e meditadas por muitos espíritos nobres da Idade Média e Renascença tais como Abelardo, Erasmo, Montaigne ou Roger Bacon, e entre os segundos, .



Bibliografia



Gal, R. (1979) -  A Educação nas Civilizações Antigas, Antepassadas do Mundo Ocidental, A Educação Romana, in História da Educação, Lisboa: Editora Veja,  pág. 40-44.

Giles, T.R. (1987) - A tradição de Roma: a formação do cidadão, in História da Educação, São Paulo: Editora Pedagógica e Universitária,  pp. 31-43.

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Monroe, P. (1977) - Os Romanos. A educação como treino para a vida prática, in  História da Educação – Actualidades Pedagógicas, São Paulo: Companhia Editora Nacional, pp.  77-93.

 Rosa, M.G. (1971) -  A História da Educação através dos textos, São Paulo: Editora Cultrix.

Vial, J. e Mialaret, G. (1981) - As origens da “Pedagogia” Grécia e Roma – A Interpretação Latina, in  História Mundial da Educação, Porto : Rés Editora, vol.1, pp. 173-192.

Olga Pombo:  opombo@fc.ul.pt

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