16/07/2015

A RELAÇÃO LITURGIA E CATEQUESE A PARTIR DO RITUAL DA INICIAÇÃO CRISTÃ DE ADULTOS: A iniciação na comunidade primitiva

 RODRIGUES, SÉRGIO AUGUSTO; Dissertação de Mestrado em Teologia Sistemática, na área de concentração em Liturgia. Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção, sob a orientação do Pe. Valeriano Santos Costa. 2007 

A iniciação cristã, na Igreja primitiva, era feita através do catecumenato, de forma progressiva, tendo a sua base nos três ritos sacramentais (batismo – confirmação – eucaristia), administrados numa única celebração, na Vigília pascal. 

 Nesta fase da história da Igreja, catequese e liturgia, como iniciação nos costumes cristãos, tinham por objetivo criar no convertido uma atitude pascal, mediante o conhecimento do mistério de Cristo e o apoio da celebração litúrgica da Páscoa, fonte de toda vida cristã. 

1 - A razão de ser do antigo catecumenato 

 A etimologia da palavra catecumenato nos ajuda a entender melhor o seu significado: a palavra catecumenato procede do verbo grego katechein, que significa ressoar, fazer ecoar junto aos ouvidos. Assim, catecúmeno é aquele que está sendo instruído, catequizado; mais concretamente, “aquele que está sendo iniciado na escuta, não de uma palavra qualquer, mas da Palavra de Deus”, de uma palavra que se cumpre na história. A Palavra anunciada pela catequese e proclamada na liturgia. 

As palavras catequese, catecúmeno, catecumenato, provêm do mesmo verbo grego “katechein”. Mas “o uso clássico reservou a palavra catecumenato, para indicar a catequese e iniciação litúrgica dos adultos convertidos que desejavam o batismo”.  Entendese, portanto, por catecumenato em sentido mais clássico, a instituição iniciática de caráter catequético-litúrgico-moral, criada pela Igreja dos primeiros séculos, com a finalidade de preparar e conduzir os convertidos adultos, por meio de um processo constituído por etapas. Este processo conduzia ao encontro pleno com o mistério de Cristo e com a vida da comunidade eclesial, cujo momento culminante se dava pelos ritos de iniciação: batismo, ritos pós-batismais e os outros sacramentos iniciáticos (crisma e eucaristia), normalmente presididos pelo bispo na vigília pascal. O catecumenato é, portanto, uma peça fundamental do conjunto de elementos que compõem o processo de iniciação cristã. Sem ele não se pode considerar que a iniciação tenha chegado à sua plenitude. 

2 - A época apostólica 

 Os elementos do Novo Testamento sobre a iniciação cristã são escassos. Mesmo não encontrando um autêntico e determinado ritual de iniciação, são freqüentes os textos que se referem a uma preparação e a um discernimento anterior à celebração do batismo. 

Prova disso é a descrição viva e impressionante do batismo do ministro da rainha da Etiópia.22 Durante o decurso da leitura escriturística, Filipe anuncia a Boa-Nova de Jesus. Diante do pedido do camareiro pelo batismo vem a resposta: “Sê crês de todo o coração, é possível”. A isso responde o camareiro: “Eu creio que Jesus Cristo é o Filho de Deus”. Então ele manda parar o carro, ambos descem à água e Filipe batiza o eunuco. Esta descrição atesta os primeiros fundamentos para a instituição do catecumenato: instrução, pedido, exame, profissão e preparação imediata, batismo. O que vem depois é um desdobramento natural, “sem qualquer fixação institucional”.23 Uma das preocupações das primeiras comunidades era, portanto, a preparação de seus candidatos ao batismo24 e, no início da Igreja, não havia algo instituído para tal finalidade. Porém, na comunidade cristã, já estava presente o germe da instituição catecumenal, herança da tradição judaica,25 com um conteúdo catecumenal baseado na mensagem de Cristo e nas mesmas exigências de conversão e de fé para o seu seguimento. O catecumenato, porém, como instituição, não foi criada por Cristo. A ordem do Senhor foi: “Pregai o Evangelho” (Mc 16,15). “Ensinai a todas as nações” (Mt 28,19) e batizai-as. “Quem crer e for batizado será salvo” (Mc 16,16). Portanto, desde o início há, no ato sacramental da administração do batismo, uma união tão íntima entre a pregação da Boa Nova, a instrução na fé, o ingresso nas fileiras dos discípulos e o cumprimento de tudo isso,

de modo que a instrução deve preceder ao menos como condição. Cristo uniu o batismo ao anúncio e o conhecimento da Palavra e à iniciação na vida e nos costumes cristãos.26 Os primeiros cristãos agiram como Jesus tinha mandado. Pregaram e batizaram a partir do Pentecostes.27 O livro dos Atos dos Apóstolos revela a ligação entre a catequese e a liturgia: reuniam-se para ouvir a Palavra, partir o pão e tomar parte da vida comunitária e praticar a caridade.28 O evangelista Lucas, no relato dos discípulos de Emaús, amplia o quadro e apresenta um paradigma de integração: a realidade da vida29 a Palavra iluminadora;30 a celebração (fração do pão)31 e a missão.32 As comunidades implantadas e organizadas pelos apóstolos sabiam distinguir entre catequese e liturgia. Pois, o Senhor havia enviado os apóstolos para ensinar e batizar e fazer todos seus discípulos.33 Portanto, alguém se torna discípulo de Jesus na Igreja através da ação litúrgica e da ação evangelizadora da catequese. Isto mostra que, na Igreja apostólica, liturgia e catequese estavam intimamente ligadas entre si na iniciação cristã.  

3 - O antigo catecumenato 

 O catecumenato, no século I, ainda não existe como instituição codificada; o que existe, certamente, é o “processo catecumenal como verdade vivida”.34 O que havia era desde os primeiros tempos da Igreja o firme propósito de discernir a autenticidade dos candidatos ao batismo com a ajuda dos padrinhos e de uma catequese adequada.35 A Igreja vive, no início, uma situação de perseguição em um ambiente pagão e hostil; tem dificuldade de manter a fé, sente a urgência de aprofundar a conversão e de conservar a unidade eclesial. Consciente de que tudo isto exige preparação e discernimento sérios, estabelece um processo catecumenal por etapas em vista de uma conversão sincera e da transformação total de vida.

A grande expansão do cristianismo e o grande número de candidatos levam a pensar numa formação mais profunda e mais exigente daqueles que chegam à fé, numa época em que, de um lado, as perseguições e, de outro, as seitas heterodoxas já tinham levado cristãos à apostasia.


Na segunda metade do século II, a comunidade cristã começa a fazer maiores exigências aos candidatos ao Batismo. Temos, portanto, um ambiente propício para o desenvolvimento do catecumenato, como instituição seriamente organizada. “Os séculos seguintes irão desenvolver, até a perfeição, a instituição do catecumenato, que encontramos no fim do século II”.38 A elaboração de um ritual orgânico e completo começa, portanto, a delinear-se nesta fase e passa a ser um fato no século III, pois a Igreja, diante das heresias,39 se obriga a precisar melhor sua doutrina em fórmulas definitivas e fazer maiores exigências aos candidatos ao Batismo. Na Didaqué, fala-se do batismo, depois de ter sido apresentada a doutrina dos “dois caminhos”,40 há um nexo entre o ensinamento ou catequese e Batismo, que é precedido pelo jejum.41 Segue-se, após o tema do Batismo o do Pai Nosso e da Eucaristia,42 o que poderia ser já um indício do itinerário da iniciação cristã. O mesmo itinerário encontra-se na Apologia I de Justino, em que a relação entre catequese e banho batismal é mais clara. Na descrição de Justino, já se pode entrever um esboço do catecumenato.43 Consideração maior, porém, é a Tradição apostólica, 44 da primeira metade do século III, pois oferece um ritual completo da iniciação cristã. Pela importância desta obra para a compreensão da iniciação cristã nesse período e sua referência na reforma do RICA vamos aqui a ela nos ater mais detalhadamente, sem deixar de fazer referência a outras, identificando a estrutura do catecumenato, composta por cinco etapas:

A apresentação do candidato e a sua admissão após um exame severo

Nem a Tradição apostólica nem Tertuliano45 falam de um rito de admissão ao catecumenato. Aqueles que se apresentam são levados aos “doutores” e se procede a um exame de seu estado de vida, de sua profissão, porque deverão renunciar a tudo o que for contrário à condição de discípulos de Cristo.46 Inicialmente, procede-se a um minucioso exame do candidato, sempre recomendado por um responsável.47 Trata-se de verificar os motivos da conversão, isto é, a sinceridade do candidato, juntamente com os dados relativos ao seu estado familiar (solteiro ou casado), social (livre ou escravo) e profissional (ofício ou trabalho).48 Certos estados e profissões não são aceitos, caso não haja uma mudança. A entrada no catecumenato supõe a evangelização e a conversão primeira, a apresentação pelos padrinhos e o exame de admissão, com o qual, verificada a sinceridade de atitudes, motivos e atividades, o candidato é incluído no grupo dos catecúmenos.

O período do catecumenato

Os candidatos admitidos denominavam-se “catecúmenos” (Katechumenoi) ou “ouvintes” (audientes). Observa-se que, desde o começo, a formação não era puramente intelectual: depois da admissão começa um longo período de formação cristã no qual havia ensino e exigências: arrependimento, fé na Igreja e vida transformada.49 Este período inclui a catequese, a oração e a imposição da mão pelo catequista, que pode ser um clérigo ou um leigo.50 O próprio termo “ouvintes” mostra a importância da catequese durante esta preparação para a iniciação.51 Logo no início, fazia-se uma catequese introdutória, da qual temos um exemplo magnífico na obra de Santo Agostinho, De catechizandis rudibus,52 em que “pela exposição da história salvífica até ao Juízo final deve ser conduzido ao amor, pela fé e pela esperança”.53 É uma exposição feita de tal forma que “aquele que te ouve, ouvindo, creia e, crendo, espere e, esperando, ame”.54 Aos catecúmenos se dava uma instrução especial, separada da comunidade, cujo tempo de instrução e de exercícios, segundo a Tradição apostólica, estendia-se oficialmente por três anos.55 O que conta, porém, não é o tempo, mas a sua conduta para a avaliação feita pela comunidade.56 Caso mostre muito zelo, no entanto, não se levará em conta o tempo, mas o julgamento será feito a partir de sua conduta. Os audientes participam das assembléias dominicais separados dos fiéis, e somente permanecem para a primeira parte da missa, pois ainda não se associam à oração dos batizados.57 Estes não cessam de recomendá-los ao Senhor em sua prece. Tal situação perdurará mesmo quando já tiverem entrado na etapa seguinte de sua preparação até o dia da sua iniciação. Na assembléia dominical, portanto, os catecúmenos estavam presentes só na primeira parte da missa, em cujo final eram despedidos.58 O tempo do catecumenato ou catequese desenvolve a dimensão doutrinal (formação-ilustração), a moral (mudança de costumes-conversão) e a ritual (introdução à oração e os símbolos), e vem a ser como o grande caminho pelo deserto até chegar à terra prometida pelo batismo cristão. A literatura patrística desta época enfatiza a qualidade moral dos candidatos. Os “responsáveis” faziam um acompanhamento do ensinamento dos catequistas e, ao final do catecumenato, testemunhavam diante da Igreja sobre a dignidade dos candidatos. Os catequistas avaliavam o papel dos padrinhos, que guiavam os catecúmenos pelo caminho da conduta cristã. Os catequistas, ainda, ensinavam os catecúmenos a orar, liam e explicavam as Escrituras e os benziam ao final de cada sessão. Baseando-nos nisto, não deveríamos hesitar em considerar as sessões catequéticas durante a época patrística como ritos litúrgicos. Na realidade, se baseavam no formato da liturgia da Palavra, composta pela leitura das Escrituras, ensinamento, oração e bênção.

A preparação próxima para o Batismo

a) Os “eleitos” A outra forma de catequese estava reservada aos eleitos, que estavam próximos de receber os sacramentos de iniciação. Esta etapa do catecumenato se iniciava com uma compreensão mais sistemática das verdades reveladas. A Igreja, durante a época patrística, lhes proporcionava ritos litúrgicos, especialmente à medida que se aproximava o batismo. 

O momento da admissão ao batismo foi importante desde os começos da iniciação. Exigia-se o arrependimento dos pecados, a aceitação da fé da Igreja e a decisão de transformar a própria vida. Era um novo exame sobre a conduta dos catecúmenos durante o tempo de instrução, no qual intervinham de novo os padrinhos 

A preparação próxima tinha início no começo da Quaresma. Durante a quaresma, que era o grande retiro dos catecúmenos, acompanhados pelos jejuns e orações dos fiéis, realizava-se a preparação próxima para o batismo, na noite da Ressurreição,61 em que “toda a comunidade acompanhava os futuros iniciados, renovando seu próprio caminho na direção da regeneração até o momento da eucaristia solene da noite da Ressurreição”.62 Hipólito fala de uma preparação mais intensa nas proximidades desta solenidade.63 Quem assume esse compromisso ganha outro nome: no Oriente, chamam-se photizómenoi (os “iluminados), isto é, aqueles que serão iluminados pela profunda instrução nos mistérios da fé. No Ocidente chamam-se competentes, isto é, aqueles que se empenham pela recepção imediata do Batismo. E, em Roma, chama-se electi, os “eleitos”, isto é, aqueles que foram selecionados e aceitos através do exame do bispo.

b) A inscrição do nome

O catecúmeno, segundo a Tradição apostólica, 65 é apresentado ao bispo por seu padrinho que dá um depoimento a respeito de suas disposições. Da parte do catecúmeno, trata-se de um ato de candidatura e de eleição pela Igreja que o escolhe em nome do Senhor. Este procedimento adquire mais importância, a partir do momento que aumenta o número dos “ouvintes” que não se apressam na direção da fonte da graça. Tal etapa constitui então, mais do que a entrada no catecumenato, o momento quando são determinados os verdadeiros discípulos de Cristo.66 Os exercícios, portanto, concentravam-se agora de tal modo que as últimas semanas de preparação coincidiam com o precioso e oportuno tempo dos cristãos, isto é, o tempo da santa “Quarentena” ou Quaresma. A liturgia quaresmal, ainda hoje, deixa transpirar belas alusões a esse costume. Mesmo que a duração da quaresma variasse conforme as épocas e as Igrejas, via de regra, é no começo do jejum que se dá o acesso a esta intensa preparação.

O tempo da quaresma, desde o seu aparecimento, sempre foi considerado um momento em que se dispensam, de forma mais abundantes, os tesouros da Palavra de Deus. As comunidades são convidadas a reuniões freqüentes, durante as quais os bispos (a não ser que se confiem esta tarefa a sacerdotes escolhidos devida à sua competência) comentam a Sagrada Escritura. Os “eleitos” tomam parte, juntamente com os fiéis, nestas assembléias, que, em determinadas Igrejas, são iniciadas ou concluídas por ritos catecumenais.68 Os “eleitos” são também convocados para catequeses que lhe são próprias, nas quais são expostos os diversos artigos do “Credo”. Terminado este ensinamento e, em dias que variam segundo os costumes locais, dá-se a traditio symboli: o símbolo da fé lhes é “entregue”.

Eles deverão aprendê-lo de cor e serem capazes, no fim da Quaresma, de dizê- lo publicamente, exprimindo desta forma sua adesão pessoal à fé que lhes foi transmitida: “devolvem” o Credo. É a redditio symboli. Diz Santo Agostinho: 

Dentro de oito dias restituireis o que recebestes hoje. Os vossos pais, que vos acolhem hão de ensinar-vos também, para que estejais preparados, e o modo como haveis de permanecer em vigília até o canto do galo, para as orações que aqui celebrais. Começamos a apresentar-vos aqui o Símbolo, para que o aprendais com cuidado; mas ninguém tenha medo; o medo não deve impedir ninguém de o recitar. Tende confiança: nós somos vossos pais, não temos a palmatória nem as varas do mestre da escola. Se alguém se enganar numa palavra, não erre na fé 

As catequeses não são mero ensino intelectual e, menos ainda, exercício escolar. Integram-se na celebração. Geralmente, o comentário do Credo é seguido da explicação do Pater, que será também objeto de uma traditio e de uma redditio.70 A catequese era acompanhada por uma série de exorcismos, com imposição das mãos. Essas cerimônias eram designadas pelo nome de escrutínios, para mostrar que os candidatos recebiam a ação transformadora de Deus em sua luta contra o mal. Em certo sentido, tudo isto fazia parte do processo chamado catequese, “que não se dava como um simples ensinamento em forma de aula, mas que se fazia conjuntamente com os ritos litúrgicos”.

 A iniciação sacramental

O ponto culminante do período de instrução catequética e formação espiritual se dava na celebração pascal do batismo, da confirmação e da sagrada Eucaristia. O Cristo Ressuscitado é o centro da vida de fé, do ensinamento, da liturgia e da vida comunitária, que faz a Igreja ser uma comunidade de fé, de culto e de caridade. As festas pascais são consideradas o tempo mais oportuno para a celebração da iniciação. Tertuliano afirma expressamente: “o dia mais solene para o batismo é por excelência o dia da Páscoa, em que é consumada a paixão do Senhor, na qual somos batizados”,72 de modo que liturgia e catequese se coordenavam, e o batismo se apresentava como participação na Ressurreição de Cristo. Esta iniciação sacramental consta de diversos momentos:73 a) três dias antes do batismo, na quinta-feira anterior à Páscoa, os eleitos tomam um banho; b) na sexta-feira começam o jejum; c) no sábado se reúnem com o Bispo, que lhes impõe as mãos exorcizando-os, sopra-lhes no rosto e marca-os na fronte, nos ouvidos e nas narinas e, d) durante a noite inteira faz-se vigília, rezando e ouvindo a Palavra de Deus. No decorrer da vigília pascal celebra-se o rito sacramental propriamente dito:74 a) Enquanto os batizandos se preparam para o rito, despojando-se dos seus trajes, o bispo consagra os óleos (o do exorcismo e o da ação de graças, que correspondem aos nossos óleos dos catecúmenos e o santo crisma). b) Cada candidato pronuncia a renúncia a Satanás e, em seguida, o presbítero o unge com óleo do exorcismo. c) Segue-se o Batismo, com três imersões, correspondentes à profissão de fé dialogada nas três pessoas da Trindade. d) Depois do batismo o neófito é ungido com o óleo de ação de graças. e) Em seguida, os recém-batizados, tendo vestido as suas vestes brancas, se apresentam à comunidade reunida. Neste ponto o bispo cumpre alguns ritos que correspondem ao sacramento da confirmação: imposição das mãos, unção com o óleo de ação de graças, sinal da cruz na fronte, e o beijo de paz ao neófito. f) Após, os neófitos rezam com todo o povo e participam da Eucaristia. 

Esta primeira participação eucarística é marcada por um rito especial: além do pão e do vinho, os neófitos recebem uma mistura de leite e mel. Como recém-nascidos, abandonaram o Egito da escravidão para habitar “numa terra onde corre leite e mel”.75 A iniciação cristã, na teologia dos Padres, visa a inserção do candidato adulto na comunidade eclesial. O candidato é acolhido como novo membro com a recepção dos três sacramentos da iniciação cristã: batismo, confirmação e eucaristia. Todo aquele que tenha recebido a fé e a tenha confirmado pode aproximar-se do banquete eucarístico. Os processos posteriores de preparação para a confirmação e a recepção da eucaristia, como fazemos hoje, não são concebíveis pela teologia dos Padres. 

A catequese mistagógica 

Durante a semana da páscoa, os neófitos, cheios de alegria e ansiedade, iam diariamente à Igreja para receber as catequeses mistagógicas76 ou sacramentais, para que os recém-iniciados aprofundassem a consciência dos símbolos experimentados. Em algumas igrejas eram instruídos sobre certas exigências morais. Durante esta semana, os neófitos usavam veste branca.77 Os Padres, quando organizavam suas catequeses mistagógicas, levavam em conta não só a instrução, mas o rito, pois sua vivência e compreensão eram ministradas depois da recepção dos sacramentos.

Mesmo que os candidatos ignorassem ainda o total significado e detalhes dos ritos litúrgicos, se consideravam preparados espiritual e moralmente. Durante os oito dias seguintes à celebração, se reuniam ao redor do bispo para revisar a experiência da noite de Páscoa e discernir sobre novos pensamentos doutrinais e espirituais 


Era preciso ser batizado para ter acesso ao mistério do batismo e dos demais sacramentos, pois o mistério tem que ser experimentado antes de poder ser interpretado. E isso não tanto por respeito à lei do arcano, que proibia comunicar os divinos mistérios aos pagãos, mas, sobretudo por causa da convicção de que os sacramentos eram acontecimentos, não noções. Tinha-se por princípio que “a explicação prévia iria tirar do batizando a receptividade para o evento e, conseqüentemente, a experiência do mistério”.79 Era preciso vivê-los primeiro; a explicação vinha depois 80. É o que nos confirma São Cirilo de Jerusalém: 

Desde há muito tempo desejava falar-vos, filhos legítimos e muitos amados da Igreja, sobre estes espirituais e celestes mistérios. Mas como sei bem que a vista é mais fiel que o ouvido, esperei a ocasião presente, para encontrar-vos, depois desta grande noite, mais preparados para compreender o que se vos fala e levar-vos pelas mãos ao prado luminoso e fragrante deste paraíso.

É preciso levar em conta que, para os Padres, os sacramentos não se explicam antes de serem recebidos. Os mistérios primeiro se vivem e somente depois se entendem. Tal concepção é de grande importância para a atividade pastoral, pois permite dar continuidade ao primeiro anúncio e ao catecumenato.82 Certamente vislumbra-se aqui um pensamento comum aos Padres da Igreja, segundo o qual o rito tem um valor propedêutico, isto é, prepara o fiel para um ensinamento mais completo. Não se trata, pois, exclusivamente, de ensinar e de “saber” coisas sobre a fé, mas transmitir o conteúdo da fé da Igreja e, desta maneira, ajudar a mudar de vida, de acordo com a fé, e de conduzir as pessoas às portas do encontro com Jesus Cristo, que vem ao encontro delas pelos sacramentos. À explicação dos mistérios dá-se o nome de catequese mistagógica, pois mistagogia quer dizer, exatamente, “iniciação aos mistérios” ou sacramentos recémcelebrados. A catequese mistagógica83 da semana pascal introduz os neófitos na seqüência do rito ao mistério, à compreensão do que experimentaram na Vigília Pascal. Hipólito observa que, se algo deve ser lembrado aos que tiverem recebido o batismo, o bispo, o fará em segredo, para que os não-fiéis não sejam informados, a não ser depois que o houverem também recebido.84 Dentre as catequeses mistagógicas deste período, tomamos como referência as de Cirilo de Jerusalém. 85 Nas suas cinco últimas catequeses, oferece uma explicação dos ritos do batismo, da confirmação e da eucaristia. Portanto, nesta época, adquirem grande importância as catequeses patrísticas86 sobre a iniciação cristã. Os neófitos mantinham-se de veste branca e completavam a sua instrução sacramental pelas catequeses mistagógicas até o segundo domingo da Páscoa “in albis deponendis” (quando as vestes brancas são depostas). Era assim que terminava a catequese de iniciação na comunidade cristã. Enquanto não acontece todo este processo, não se pode dizer que um cristão tenha completado a iniciação cristã. 




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