22/07/2015

Disciplina do Arcano e o Cristianismo

Disciplina do Arcano¹: Disciplina do Segredo, ou Lei do Arcano, é o termo teológico para expressar o costume que prevaleceu na Igreja primitiva, na qual o conhecimento dos mistérios da religião cristã era, por medida de prudência, cuidadosamente mantido oculto aos gentios, aos não-iniciados e até mesmo aos que se submetiam à instrução na fé, para evitar que aprendessem algo que pudessem fazer mau uso, o costume pendurou-se até o séc. VI. (  Apostolado Veritatis Splendor )

por  Bilheiro, Ivan  Graduando em História pelo Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora - MG. Email: ivanbilheiro@bol.com.br 

Disciplina do Arcano e Simbolismo Como já mostrado, “a primeira manifestação da arte cristã está ligada à decoração dos cemitérios subterrâneos” (MONTERADO, 1968, p. 65). Além das já expostas peculiaridades da arte cristã inicial, de técnica, de aplicação, de local, de produtores e alvos da arte, etc; o contexto do Império Romano e das condições de vida dos primeiros cristãos contribuiu para que um novo elemento surgisse: a Disciplina do Arcano. 

“No primeiro século, os sepulcros são ainda particulares, privados, e a decoração é geométrica, enriquecendo-se com elementos tirados da flora e da fauna, segundo o tipo pagão” (Ibid., p. 65). A influência do paganismo, neste início, é tida como inevitável, visto que era esta a idéia arraigada na consciência coletiva, incluindo-se aí os cristãos. Também, é preciso dizer, algumas obras eram executadas por “pessoas de fora” (pagãos), e os temas do paganismo apareciam para evitar que recaíssem suspeitas sobre aqueles que solicitavam o serviço. “Os artistas recorriam [...] a motivos pagãos, dando-lhes, no entanto, uma interpretação cristã” (MAHLER; UPJOHN; WINGERT, 1974, p. 92). Conforme se vê, o cristianismo foi (e ainda é) “[...] uma religião que conseguiu incorporar elementos oriundos de uma variedade de fontes [...]” (BATTISTONI FILHO, 1989, p. 43). “No segundo século, quando as catacumbas se tornam cemitérios comuns, entra o simbolismo, prevalecendo a disciplina do arcano que proibia, rigorosamente, representar os mistérios da religião, por medo de profanação” (MONTERADO, 1968, p. 65 – Grifo do autor). A partir do segundo século, portanto, a arte cristã passou a ser composta, principalmente, por simbolismo. Em síntese, tornou-se uma arte semântica. 

O surgimento da Disciplina do Arcano – regra não expressa, mas difundida de não retratar, explicitamente, mistérios da religião para evitar reconhecimento pelos leigos – refletia o contexto das seguidas perseguições aos cristãos: era preciso que a religião não ficasse discriminável nas obras, que estas só pudessem ser percebidas e interpretadas por iniciados, por integrantes da religião. Assim, a arte cristã voltou-se para a representação de símbolos. Até mesmo as simples estruturas geométricas, mais largamente utilizadas no século I, foram reinterpretadas a fim de cumprir um novo papel. O simbolismo deu, logicamente, grande força ao Cristianismo. Ao mesmo tempo em que protegia os cultos e a expressão dos fiéis, auxiliava na representação e na compreensão de conceitos religiosos: “A idéia de Deus não pode ser expressa por um quadro; não pode ser plenamente expressa nem mesmo em palavras; o símbolo é um meio de transmitir uma idéia demasiado tremenda para a expressão humana” (ANSON & CONALY, 1969, p. 1104).

 “Um dos aspectos mais importantes dessa iconografia diz respeito aos fenômenos sincréticos de transposição de temas não-cristãos em temas cristãos.” (ALET, 1994, p. 51) As catacumbas deixaram de ser usadas somente no século V, ainda que já houvesse liberdade de culto no Império, extensiva ao Cristianismo, bem como esta religião já fosse estatal. Já o simbolismo não foi totalmente suprimido, embora tenha perdido a força que o fez nascer por conta da liberdade de culto e tenha diminuído em muito, dando lugar às representações menos misteriosas, geralmente de passagens bíblicas. Houve, então, um processo de mistura de elementos diversos e de variadas fontes. Imagens simples que muitas vezes somente adornavam obras foram re-significadas, bem como imagens dos cultos pagãos e outras imagens de elementos simples da vida cotidiana. 5)

 Considerações finais 

Como se pode notar, a perseguição aos cristãos fez nascer uma das armas utilizadas por eles para propagação da fé. A Disciplina do Arcano deu origem ao simbolismo da religião cristã, o qual é utilizado até os dias atuais. Contrariamente à arte usual (e ao conceito que se faz desta), a arte cristã do período das perseguições passou a ser criada a fim de ter conceitos embutidos, significado interno de coisas e/ou idéias exteriores. 

O estudo da arte deste período permite observar o dinamismo da Igreja, quando ainda embriônica, e a capacidade de adaptação, não só da instituição em si, mas também dos fiéis. Assim, por exemplo, a simples forma geométrica do círculo passou a representar Jesus Cristo, e quando vinha este símbolo sobre uma cruz, significava a crucificação (considerado o fato de que as cruzes eram, geralmente, evitadas, por serem um símbolo bem óbvio da perseguida religião), e, nesse caso, nota-se o sincretismo simbólico com o Deus-sol do paganismo; ou o mesmo símbolo podia servir para representar a eternidade de Deus. 

As apropriações e re-significações de temas pagãos e laicos são provas disso, bem como a capacidade criativa de escapar da perseguição ao culto quando ainda se mantinha à margem da sociedade romana. Todo esse cenário que permitiu o aparecimento da Disciplina do Arcano e do conseqüente e inevitável simbolismo cristão foram, sem dúvida, fundamentais na história da Igreja, para que esta pudesse se tornar uma das instituições mais bem sucedidas na história da humanidade. Muitos outros símbolos foram sendo criados, como o peixe, que representava, também, Jesus. Este símbolo foi escolhido porque, em grego, a palavra peixe forma um acróstico das iniciais de “Jesus Cristo, Filho de Deus, Salvador”, também em grego. 

O símbolo do peixe também era utilizado para reconhecimento mútuo entre os cristãos. A força de comunicação dos símbolos é inquestionável e adaptou-se muito bem à linguagem religiosa (ou esta adaptou-se muito bem à linguagem dos símbolos), e a junção das duas permitiu, em aliança com outros fatores, a construção da base de uma das instituições mais bem sucedidas na história da humanidade.

Revista Urutágua – revista acadêmica multidisciplinar – http://www.urutagua.uem.br/015/15bilheiro.pdf Nº 15 – abr./mai./jun./jul. 2008 – Quadrimestral – Maringá – Paraná – Brasil – ISSN 1519-6178 

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