Disciplina do Arcano¹: Disciplina do Segredo, ou Lei do Arcano, é o termo teológico para expressar o costume que prevaleceu na Igreja primitiva, na qual o conhecimento dos mistérios da religião cristã era, por medida de prudência, cuidadosamente mantido oculto aos gentios, aos não-iniciados e até mesmo aos que se submetiam à instrução na fé, para evitar que aprendessem algo que pudessem fazer mau uso, o costume pendurou-se até o séc. VI. ( Apostolado Veritatis Splendor )
por Bilheiro, Ivan Graduando em História pelo Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora - MG. Email: ivanbilheiro@bol.com.br
Disciplina do Arcano e Simbolismo
Como já mostrado, “a primeira
manifestação da arte cristã está ligada à
decoração dos cemitérios subterrâneos”
(MONTERADO, 1968, p. 65).
Além das já expostas peculiaridades da
arte cristã inicial, de técnica, de aplicação,
de local, de produtores e alvos da arte, etc;
o contexto do Império Romano e das
condições de vida dos primeiros cristãos
contribuiu para que um novo elemento
surgisse: a Disciplina do Arcano.
“No
primeiro século, os sepulcros são ainda
particulares, privados, e a decoração é
geométrica, enriquecendo-se com
elementos tirados da flora e da fauna,
segundo o tipo pagão” (Ibid., p. 65).
A influência do paganismo, neste início, é
tida como inevitável, visto que era esta a
idéia arraigada na consciência coletiva,
incluindo-se aí os cristãos. Também, é
preciso dizer, algumas obras eram
executadas por “pessoas de fora” (pagãos),
e os temas do paganismo apareciam para
evitar que recaíssem suspeitas sobre
aqueles que solicitavam o serviço.
“Os artistas recorriam [...] a motivos
pagãos, dando-lhes, no entanto, uma
interpretação cristã” (MAHLER;
UPJOHN; WINGERT, 1974, p. 92).
Conforme se vê, o cristianismo foi (e ainda
é) “[...] uma religião que conseguiu
incorporar elementos oriundos de uma
variedade de fontes [...]” (BATTISTONI
FILHO, 1989, p. 43).
“No segundo século, quando as
catacumbas se tornam cemitérios comuns,
entra o simbolismo, prevalecendo a
disciplina do arcano que proibia,
rigorosamente, representar os mistérios da
religião, por medo de profanação”
(MONTERADO, 1968, p. 65 – Grifo do
autor).
A partir do segundo século, portanto, a arte
cristã passou a ser composta,
principalmente, por simbolismo. Em
síntese, tornou-se uma arte semântica.
O surgimento da Disciplina do Arcano –
regra não expressa, mas difundida de não
retratar, explicitamente, mistérios da
religião para evitar reconhecimento pelos
leigos – refletia o contexto das seguidas
perseguições aos cristãos: era preciso que a
religião não ficasse discriminável nas
obras, que estas só pudessem ser
percebidas e interpretadas por iniciados,
por integrantes da religião.
Assim, a arte cristã voltou-se para a
representação de símbolos. Até mesmo as
simples estruturas geométricas, mais
largamente utilizadas no século I, foram
reinterpretadas a fim de cumprir um novo
papel.
O simbolismo deu, logicamente, grande
força ao Cristianismo. Ao mesmo tempo
em que protegia os cultos e a expressão dos fiéis, auxiliava na representação e na
compreensão de conceitos religiosos: “A
idéia de Deus não pode ser expressa por
um quadro; não pode ser plenamente
expressa nem mesmo em palavras; o
símbolo é um meio de transmitir uma idéia
demasiado tremenda para a expressão
humana” (ANSON & CONALY, 1969, p.
1104).
“Um dos aspectos mais importantes
dessa iconografia diz respeito aos
fenômenos sincréticos de transposição de
temas não-cristãos em temas cristãos.”
(ALET, 1994, p. 51)
As catacumbas deixaram de ser usadas
somente no século V, ainda que já
houvesse liberdade de culto no Império,
extensiva ao Cristianismo, bem como esta
religião já fosse estatal. Já o simbolismo
não foi totalmente suprimido, embora
tenha perdido a força que o fez nascer por
conta da liberdade de culto e tenha
diminuído em muito, dando lugar às
representações menos misteriosas,
geralmente de passagens bíblicas.
Houve, então, um processo de mistura de
elementos diversos e de variadas fontes.
Imagens simples que muitas vezes somente
adornavam obras foram re-significadas,
bem como imagens dos cultos pagãos e
outras imagens de elementos simples da
vida cotidiana.
5)
Considerações finais
Como se pode notar, a perseguição aos
cristãos fez nascer uma das armas
utilizadas por eles para propagação da fé.
A Disciplina do Arcano deu origem ao
simbolismo da religião cristã, o qual é
utilizado até os dias atuais.
Contrariamente à arte usual (e ao conceito
que se faz desta), a arte cristã do período
das perseguições passou a ser criada a fim
de ter conceitos embutidos, significado
interno de coisas e/ou idéias exteriores.
O estudo da arte deste período permite
observar o dinamismo da Igreja, quando
ainda embriônica, e a capacidade de
adaptação, não só da instituição em si, mas
também dos fiéis.
Assim, por exemplo, a simples forma
geométrica do círculo passou a representar
Jesus Cristo, e quando vinha este símbolo
sobre uma cruz, significava a crucificação
(considerado o fato de que as cruzes eram,
geralmente, evitadas, por serem um
símbolo bem óbvio da perseguida religião),
e, nesse caso, nota-se o sincretismo
simbólico com o Deus-sol do paganismo;
ou o mesmo símbolo podia servir para
representar a eternidade de Deus.
As apropriações e re-significações de
temas pagãos e laicos são provas disso,
bem como a capacidade criativa de escapar
da perseguição ao culto quando ainda se
mantinha à margem da sociedade romana.
Todo esse cenário que permitiu o
aparecimento da Disciplina do Arcano e do
conseqüente e inevitável simbolismo
cristão foram, sem dúvida, fundamentais
na história da Igreja, para que esta pudesse
se tornar uma das instituições mais bem
sucedidas na história da humanidade.
Muitos outros símbolos foram sendo
criados, como o peixe, que representava,
também, Jesus. Este símbolo foi escolhido
porque, em grego, a palavra peixe forma
um acróstico das iniciais de “Jesus Cristo,
Filho de Deus, Salvador”, também em
grego.
O símbolo do peixe também era
utilizado para reconhecimento mútuo entre
os cristãos.
A força de comunicação dos símbolos é
inquestionável e adaptou-se muito bem à
linguagem religiosa (ou esta adaptou-se
muito bem à linguagem dos símbolos), e a
junção das duas permitiu, em aliança com outros fatores, a construção da base de uma
das instituições mais bem sucedidas na
história da humanidade.
Revista Urutágua – revista acadêmica multidisciplinar – http://www.urutagua.uem.br/015/15bilheiro.pdf
Nº 15 – abr./mai./jun./jul. 2008 – Quadrimestral – Maringá – Paraná – Brasil – ISSN 1519-6178
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